terça-feira, 3 de abril de 2012

ENTRE O MINISTÉRIO E MERCADO DE TRABALHO

Agüentar uma dupla jornada de trabalho não é mole. Que o digam as mulheres que trabalham fora e, quando chegam em casa, ainda têm que cuidar da família. Muitos pastores evangélicos também vivem essa realidade exaustiva se dedicando ao ministério e a uma atividade profissional secular para complementar a renda familiar. Segundo um estudo desenvolvida pela Universidade de Brasília, em 2004, apenas 20% dos entrevistados pela UnB chegam aos R$ 3 mil de salário. A dificuldade para sustentar a família somente com a contribuição da igreja levou os líderes espirituais das congregações a optarem por dividirem o seu tempo com outro ofício. É por um salário melhor que muitos pastores se dividem entre uma profissão com carteira assinada e o ministério.

Pensando em dar auxílio a esses pastores, que o escritor norte-americano Dennis W. Bickers iniciou em 2002 o Ministério Bivocacionados, onde dá assistência espiritual e dicas de como conciliar o emprego secular com o trabalho pastoral. Bickers é proprietário da Madison Heating & Air Conditioning em Madison, Indiana (EUA) e é pastor da Igreja Batista Hebrom. “No final da década de 1970, senti que Deus estava me chamando para o ministério. Naquela época, eu nunca tinha ouvido falar do conceito de bivocacionados, mas como eu tinha um trabalho em tempo integral em uma fábrica, além do meu trabalho pastoral eu havia me tornado um pastor bivocacionado”, relata Bickers que já escreveu cinco livros sobre o assunto e está lançando no Brasil o livro Conciliando Profissão e Ministério (Título original em inglês: The Bivocational Minister) pela CPAD (Casa Publicadora das Assembléias de Deus).

Para o autor, no entanto, o maior desafio em conciliar ministério e trabalho secular é aprender a administrar o tempo e tentar encaixar todas as demandas nas 24 horas do dia. “Há cinco áreas da vida que os ministros bivocacionados devem manter em equilíbrio: a relação com Deus, relacionamento com a família, as expectativas que temos sobre o trabalho, as necessidades da igreja e o cuidado pessoal”, esclarece.

Bickers afirma que muitas denominações nos Estados Unidos contam, em seus relatórios anuais, que o número de pastores que mantém uma dupla jornada de trabalho está crescendo. “Alguns destes ministros vão ter uma educação formal, (como qualquer outro pastor), mas outros vão começar o seu ministério, sem nenhuma educação ministerial, como eu fiz. Devemos ter outros meios para a formação destes pastores, por isso, comecei o meu ministério. Quero incentivá-los e fornecer-lhes os recursos que podem utilizar em seus ministérios”, afirma o pastor que já se prepara para lançar o sexto livro sobre o assunto.

Realidade brasileira
A realidade retratada por Bickers  é vivida por muitos ministros do evangelho no Brasil. Boa parte das igrejas do país não consegue dar o sustento necessário para seus pastores optarem apenas pelo ministério. Ao contrário de Bickers, os pastores brasileiros mantêm uma dupla jornada de trabalho mais por necessidade do que por vocação. Esse é o caso do pastor Fabiano Martiz, da congregação da Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo em Presidente Epitácio (SP). Ele é contato publicitário em uma rádio local e divide seu tempo entre as viagens ministeriais, a igreja e o trabalho secular. “Eu trabalho duas vezes por semana na rádio. O trabalho que mais gosto de fazer, no entanto, é a obra como itinerante. Viajando para pregar o evangelho em vários estados. Mas, como a igreja é pequena e não pode me dar o sustento necessário para manter a minha família, tive que optar por mais uma fonte de renda. Mas o meu ministério é prioridade”, diz o pastor, que mantém essa dupla jornada há quatro anos. Para ele, o maior problema em administrar as duas funções é arrumar tempo para fazer tudo o que precisa. “Minha vida é muito corrida, viajo de um lado para o outro e, às vezes, falta tempo para a família também, mas eu não posso fugir do chamado do senhor para minha vida, e graças a Deus que eu tenho uma família que entende isso e um trabalho flexível”, afirma.

A família também é fator determinante para o sucesso no ministério da pastora e jornalista Adriana Reis. Ela conta que o marido a auxilia nos serviços domésticos e no cuidado com a filha de três anos. “Minha vida é uma correria, tento criar uma rotina de oração e leitura da Palavra, que muitas vezes e interrompida por um grito de criança, mas isso faz parte. Como priorizo Deus, o restante vai se encaixando. Em casa, conto com a ajuda e o apoio do meu esposo em tudo, ele faz até serviços domésticos, quando preciso. Graças a Deus!”, relata Adriana que trabalha como redatora do Jornal Show da Fé, do grupo Graça Editorial. Ela afirma que a compreensão de sua chefe na empresa é muito importante. “Deixo bem claro a posição que ocupo e sou respeitada quando digo que determinado dia não posso sair mais tarde por conta de algum compromisso na igreja. Já tive que sair do trabalho algumas vezes para emergências como realizar funerais”, conta a jornalista que foi consagrada ao ministério em 2005. “Eu pertenço ao Ministério Reconciliar (que fica no bairro da Posse, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense), uma Igreja fundada, há cinco anos, pelo pastor Claudio Renato Pereira e por mim. Na verdade, eu auxilio o trabalho dele, mas já assumi a posição de titular por três anos”. Para desempenhar as funções do ministério pastoral, os pastores do Ministério Reconciliar também contam com uma ajuda imprescindível. “Nós assumimos um chamado de Deus e Ele nos ajuda a desempenhar as tarefas, que são muitas e de grande responsabilidade. Contamos também com um grupo de colaboradores (corpo ministerial) que nos dá suporte, formado por intercessores, obreiros e diáconos. Eles nos ajudam nas visitas e abrem os cultos”, diz Adriana, cujo colega ministerial também tem um trabalho secular.

O consultor imobiliário e pastor José dos Santos Almeida também tem um trabalho flexível que o ajuda a administrar as atividades ministeriais e profissionais. Dono do próprio negócio, uma imobiliária, Almeida se tornou pastor depois de 22 anos como corretor e consultor na área, hoje, ele tem 28 anos de carreira. Desde 2007, José é pastor da Igreja Batista da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Para o consultor, dedicação exclusiva à igreja é um mito. “Quase sempre os pastores exercem outras atividades. Algumas são mais afins ao ministério, como diretor de alguma agência missionária, ou o escritório da denominação e, outras são diferentes, como a que eu exerço, por exemplo. O pastor reclama, porém, que falta tempo para estudar. “Sempre falta tempo para se fazer o que quer, e eu me recinto por não ter tempo para fazer cursos e estudar mais, para aprimorar as duas atividades”, diz. Por ser dono do próprio negócio, o pastor tem uma certa flexibilidade. Almeida fez o seu trabalho de final de seminário exatamente sobre esse tema. Segundo ele, em 1994, quando concluiu o seminário, 50% dos pastores da denominação batista exerciam uma outra atividade profissional. “Acredito que a dificuldade da congregação dar o sustento suficiente para que o pastor possa sustentar a sua família é uma das causas da procura por um trabalho secular”, afirma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário